Claro, podemos aceitar esses novos desejos. Por exemplo, em 'As confissões de Schmidt' (que não é um grande filme), de A. Payne, com Jack Nicholson, o protagonista acorda de noite, olha para sua mulher de sei lá quantos anos e se pergunta estupefato: 'Quem é esta mulher que dorme na minha cama?'. Logo, ele dá um rumo novo a sua vida, colocando o pé na estrada. Mas a expressão de seus novos desejos é fortemente facilitada por duas circunstâncias: providencialmente o protagonista se aposenta e fica viúvo. Nessas condições, escutar novos desejos fica fácil, não é?
Agora imaginemos alguém que esteja no meio de sua vida profissional e num bom momento de sua vida amorosa. Nesse caso, provavelmente, o novo desejo será silenciado, reprimido, menosprezado ('deixe pra lá, é besteira'). Resultado: o indivíduo continuará declarando que está vivendo a vida que ele queria (e, em parte, será verdade); só que, de repente, sem entender por quê, ele perderá a alegria.
Por que razão nosso indivíduo negligenciaria seus novos desejos? Simples: por serem novos, eles acarretam a ameaça de uma ruptura no presente: afetos e laços que poderiam ser perdidos, medo da solidão e preguiça dos esforços necessários para reinventar a vida.
Infelizmente, essa negligência tem um custo alto. Sempre entendi assim a 'Metamorfose' de Kafka: alguém acorda e o que era até então uma vida normal e legal, de repente, aos seus olhos, é uma vida de barata.
Nota útil para a clínica de depressão. Às vezes, procuramos em vão as causas de uma depressão; será que houve lutos ou perdas? Nada disso; está tudo bem, trabalho, família, filhos e tal, mas o indivíduo entristece, volta a fumar e a beber como se quisesse encurtar a vida, engorda como se estivesse num mar de frustração e precisasse de gratificações alternativas.
Em muitas dessas vezes, a origem da depressão não é uma perda, nem propriamente uma frustração, mas a aparição de um desejo novo que não foi reconhecido. E os novos desejos, sobretudo quando são silenciados, desvalorizam a vida que estamos vivendo.
Portanto... TENHA SEMPRE EM MENTE:
-Não existem vidas definitivamente resolvidas, pois novos desejos surgem a todo tempo.
-É bom reconhecer os novos desejos, mesmo que deixemos de realizá-los."
(texto de Contardo Calligaris)
FRASE DO DIA: "Se um problema é grande demais, não pense nele. E se ele é pequeno demais, por quê pensar nele?"
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